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Cilarcas
in a minute there is time for decisions and revisions which a minute will reverse

Virá a morte e terá os teus olhos

Virá a morte e terá os teus olhos

esta morte que está sempre connosco
de manhã até à noite,
insone, surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã, um grito mudo,
um silêncio.
Assim os vês em cada manhã
dobrada sozinha ao espelho. Oh querida esperança,
nesse dia também nós saberemos
que és a vida e és o nada.

Para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e terá os teus olhos.
E será como deixar um vício,
como ver no espelho
reemergir um rosto morto,
como ouvir um lábio fechado.

Desceremos pelo ralo
mudos.

Cesare Pavese, Verrà la morte e avrà i tuoi occhi, Março de 1950.

r.


[ver também a tradução de Jorge de Sousa Braga]


Verrà la morte e avrà i tuoi occhi-
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Così li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla

Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.

Cesare Pavese, 22 de Março de 1950

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Thursday, May 21, 2009 :: 0 comments ::

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Virá a morte e terá os teus olhos



Vittorio Gassmann lê Verrà la morte e avrà i tuoi occhi de Cesare Pavese

r.

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Thursday, May 21, 2009 :: 0 comments ::

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Annus Mirabilis

As relações sexuais começaram
Em mil novecentos e sessenta e três
(um tanto já tarde para mim) –
Entre o fim da proibição da Chatterley
E o primeiro LP dos Beatles

Até aí não houvera senão
Uma espécie de regateio
Uma arenga pelo anel
Uma vergonha que começava aos dezasseis
E alastrava a tudo

Então de súbito a questão acabou:
E toda gente sentia o mesmo
E todas as vidas se tornaram
Uma alegre bancarrota
Um jogo impossível de perder

E portanto a vida nunca foi melhor do que
Em mil novecentos e sessenta e três
(embora um tanto tarde para mim) –
Entre o fim da proibição da Chatterley
E o primeiro LP dos Beatles


Philip Larkin, Annus Mirabilis, em High Windows.

r.


Sexual intercourse began
In nineteen sixty-three
(which was rather late for me) -
Between the end of the Chatterley ban
And the Beatles' first LP.

Up to then there'd only been
A sort of bargaining,
A wrangle for the ring,
A shame that started at sixteen
And spread to everything.

Then all at once the quarrel sank:
Everyone felt the same,
And every life became
A brilliant breaking of the bank,
A quite unlosable game.

So life was never better than
In nineteen sixty-three
(Though just too late for me) -
Between the end of the Chatterley ban
And the Beatles' first LP.


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Tuesday, May 19, 2009 :: 0 comments ::

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A culpa é de um

Porventura foi uma hecatombe de esperanças
um desabar de algum modo previsto
ah! mas a minha tristeza teve um sentido só

todas as minhas intuições assomaram
para ver-me sofrer
e seguramente viram-no

até aqui tinha feito e refeito
os meus trajectos contigo
até aqui havia apostado
em inventar a verdade
mas encontraste a maneira
uma maneira terna
e ao mesmo tempo implacável
de deixar sem esperança o meu amor

com um simples prognóstico o deportaste
dos subúrbios da tua vida possível
o embrulhaste em nostalgias
o carregaste por um bom bocado
e devagarinho
sem que o ar nocturno o apercebesse
ali mesmo o deixaste
sozinho à sua sorte
que não é, pois, muita

creio que tens razão
a culpa é de um quando não se faz enamorar
e não dos pretextos
nem do tempo

faz muito, muito tempo
que eu não me enfrentava
como ontem à noite ao espelho
e fui implacável como tu
mas não fui terno

agora estou só
francamente

custa sempre um bocadinho
começar a sentir-se um desgraçado

antes de regressar
aos meus lúgubres acampamentos de Inverno

com os olhos bem enxutos
se por acaso

te vejo ao entrar na neblina
e começo a recordar-te.


Mario Benedetti, La culpa es de uno.


r.


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